Juros e Seu Papel na Economia e na Vida (parte 2 de 8): A Posição Islâmica
Descrição: Uma visão islâmica do papel dos juros na sociedade hoje, com um estudo histórico e contemporâneo. Parte 1: Um olhar em alguns textos do Alcorão e da Sunnah que alertam de forma severa contra os juros.
- Por Jamaal al-Din Zarabozo (© 2011 IslamReligion.com)
- Publicado em 27 Jun 2011
- Última modificação em 27 Jun 2011
- Impresso: 189
- 'Visualizado: 22,649 (média diária: 5)
- Classificado por: 0
- Enviado por email: 0
- Comentado em: 0
Os Textos Islâmicos sobre Juros
Quando se lê os textos islâmicos relacionados aos juros, imediatamente percebe-se o quanto os alertas contra qualquer envolvimento com juros são rigorosos. O Islã proíbe vários atos imorais como fornicação, adultério, homossexualidade, consumo de álcool e assassinato. Mas a variedade de discussão e extensão dos alertas para esses outros atos não está no mesmo nível daqueles relacionados aos juros. Isso fez com que Sayyid Qutub escrevesse: “Nenhum outro assunto foi condenado e denunciado tão fortemente no Alcorão quanto a usura.” [1]
O Alcorão, por exemplo, contém os seguintes versículos relacionados aos juros[2]:
“Ó crentes, não exerçais a usura, multiplicando (o emprestado) e temei a Deus para que prospereis, E guardai-vos do Fogo, que é preparado para os descrentes.” (Alcorão 3:130-131)
Esse é um alerta muito forte para os crentes sobre uma consequência fatal: serem jogados no fogo do inferno preparado para os descrentes.
Deus também diz:
“Os que praticam a usura só serão ressuscitados como aquele que foi perturbado por Satanás; isso, porque disseram que a usura é o mesmo que o comércio; no entanto, Deus consente o comércio e veda a usura. Mas, quem tiver recebido uma exortação do seu Senhor e se abstiver, será absolvido pelo passado, e seu julgamento só caberá a Deus. Por outro lado, aqueles que reincidirem, serão condenados ao inferno, onde permanecerão eternamente. Deus abomina a usura e multiplica a recompensa aos caritativos; Ele não aprecia nenhum descrente pecador.” (Alcorão 2:275-276)
Esses versículos têm muitos pontos interessantes. Ao comentar sobre a primeira parte desse versículo, Maududi escreveu:
Assim como uma pessoa insana, sem limites fornecidos pela razão, recorre a todos os tipos de atos imoderados, faz aquele que lida com juros. Persegue sua busca por dinheiro como se fosse insano. Indiferente ao fato de que os juros retiram as raízes do amor humano, da fraternidade e empatia, mina o bem-estar e felicidade da sociedade humana e seu enriquecimento é à custa do bem-estar de muitos outros seres humanos. Esse é o estado de sua “insanidade” nesse mundo: uma vez que um homem ressuscitará na Vida Eterna no mesmo estado no qual morreu nesse mundo presente, será ressuscitado como um lunático.[3]
Em segundo lugar, o versículo deixa claro que existe uma diferença entre transações comerciais legítimas e juros. A diferença entre elas é tão gritante que o versículo não se ocupa de explicá-las, o que é um dos aspectos estilísticos do Alcorão. Em terceiro lugar, os versículos afirmam claramente que Deus “abomina a usura e multiplica a recompensa aos caritativos.” Essa é uma das “leis” de Deus que a humanidade não pode necessariamente descobrir por conta própria. Os efeitos negativos plenos e finais dos juros sobre o indivíduo, comunidade e o mundo como um todo tanto nessa vida quanto na Vida Eterna são conhecidos apenas por Deus. Entretanto, um olhar sobre alguns desses aspectos negativos, que testemunham a verdade desse versículo, serão fornecidos mais tarde nesse artigo. De fato, talvez para destacar o significado desse versículo, o Profeta (que a paz e bênçãos de Deus estejam sobre ele) também disse: “Juros – mesmo em grande quantidade – no final resultarão em uma pequena quantidade.” [4] Sem dúvida, na Vida Eterna quando o indivíduo se encontra com Deus, tudo que acumulou através de meios ilícitos será fonte de sua própria destruição.
Pouco depois dos versículos acima, Deus diz ainda:
“Ó vós que credes, temei a Deus e abandonai o que ainda vos resta da usura, se sois crentes! Mas, se tal acatardes, esperai a hostilidade de Deus e do Seu Mensageiro; porém, se vos arrependerdes, reavereis apenas o vosso capital. Não defraudeis e não sereis defraudados.” (Alcorão 2:278-279)
Quem em pleno juízo se exporia a uma declaração de guerra de Deus e Seu Mensageiro? Sem dúvida, dificilmente se encontrará uma ameaça mais forte. No fim do versículo Deus deixa claro por que os juros são proibidos: é prejudicial. A palavra árabe para isso é dhulm, significando uma pessoa que prejudicou, causou dano ou oprimiu outra pessoa ou sua própria alma. Esse versículo demonstra que os juros não são proibidos simplesmente devido a algum mandamento de Deus sem qualquer racionalidade por trás desse mandamento. Os juros são definitivamente prejudiciais e, portanto, foram proibidos.
Além dos versículos do Alcorão, o Profeta Muhammad (que a paz e bênçãos de Deus estejam sobre ele) também fez declarações relacionadas aos juros. A declaração a seguir, por exemplo, demonstra claramente a gravidade dessa ação:
“Evite os sete pecados destrutivos: associar parceiros a Deus, magia, matar uma alma que Deus proibiu - exceto através do devido curso legal, juros, consumir a riqueza dos órfãos, fugir quando dois exércitos se encontrarem, caluniar as mulheres castas, crentes e inocentes.” (al-Bukhari e Muslim)
De fato, outra declaração do Profeta (que a paz e bênçãos de Allah estejam sobre ele) deve ser suficiente para manter qualquer indivíduo temente a Deus completamente longe dos juros. O Profeta (que a paz e bênçãos de Allah estejam sobre ele) disse:
“Uma moeda dos juros consumida conscientemente por uma pessoa é pior aos olhos de Deus do que trinta e seis atos de relação sexual ilícita.” (al-Tabarani e al-Hakim)
O companheiro Jabir narrou que o Mensageiro de Deus (que a paz e as bênçãos de Deus estejam sobre ele) amaldiçoou quem cobra juros, quem paga juros, a testemunha [ou seja, os contratos que incluem juros] e quem o registra. Então ele disse: “São todos iguais.” (Muslim)
Esse é um princípio básico do Islã. Se algo é proibido e errado, um muçulmano não pode participar ou dar apoio de forma alguma. Assim, se juros são proibidos, também é proibido ser testemunha desses contratos, registrá-los e assim por diante. As palavras do Profeta também explicam que não existe diferença entre aquele que paga juros e aquele que os cobra. Ambos se envolveram em uma prática desprezível e, portanto, são igualmente culpados.
O Profeta Muhammad (que a paz e bênçãos de Allah estejam sobre ele) também disse:
“Se relações sexuais ilícitas e juros aparecerem abertamente em uma cidade, eles se abriram para a punição de Deus.” (al-Tabarani e al-Hakim)
Essa afirmação é uma referência à uma das “leis sociais” de Deus.” A punição de Deus pode vir em diferentes formas nesse mundo ou no próximo.
Footnotes:
[1] Sayyid Qutb, In the Shade of the Quran (“À Sombra do Alcorão”, em tradução livre) (Markfield, Leicester, Inglaterra: The Islamic Foundation, 1999), vol. 1, p. 355.
[2] A palavra árabe usada nesses versículos do Alcorão é ribaa. Ribaa pode ser definido como, “um excesso e um acréscimo; um acréscimo sobre a quantia principal [que é emprestada ou despendida].” Cf., E. W. Lane, Arabic-English Lexicon (Cambridge, Inglaterra: The Islamic Texts Society, 1984), vol. 1, 1023. Infelizmente, alguns tradutores do Alcorão (incluindo Abdullah Yusuf Ali, Khan e al-Hilali, e Pickthall) optaram em traduzir a palavra ribaa como “usura.” Isso gerou um pouco de confusão, até entre os muçulmanos ocidentais. O Dicionário Oxford de inglês define usura como: “o fato ou prática de emprestar dinheiro a juros; especialmente no uso mais recente, a prática de cobrar, tomar ou contratar para receber taxas excessivas ou ilegais de juros por dinheiro emprestado.” Em outras palavras, em uma época, a palavra “usura” era equivalente ao ato de emprestar dinheiro a juros, quando esse ainda era um ato considerado desprezível. Depois que os juros se tornaram completamente legais a palavra usura passou a significar “emprestar dinheiro a taxas excessivas ou ilegais.” O termo árabe ribaa, em termos contemporâneos, deve ser traduzido como “juro”, uma vez que inclui qualquer pagamento feito além do principal.
[3] Sayyid Abu Ala Mawdudi, Towards Understanding the Quran (“Entendendo o Alcorão”, em tradução livre) (Leicester, Reino Unido: The Islamic Foundation, 1988), vol. 1, p. 213.
[4] Registrado por al-Hakim. Ver al-Albani, Sahih al-Jami al-Sagheer, vol. 1, p. 664, hadith no. 3543. Juros têm tudo a ver com acumular mais dinheiro, sem colocar o dinheiro em risco. Isso, a longo prazo, entretanto, não necessariamente traz felicidade: “Estudo da General Social Survey (GSS) apresentado na Business Week (16 de Outubro de 2000) concluiu que dinheiro não estava comprando felicidade e o novo estilo de vida e seus impactos estavam causando aumento de infelicidade. De acordo com esse estudo, embora houvesse um aumento per capita na renda entre 1970 e 1998, os americanos, ao contrário, estavam menos felizes. As novas tendências sociais ofuscavam quaisquer ganhos materiais. O estudo descobriu que embora renda extra traga felicidade extra, o impacto era surpreendentemente baixo. Também descobriu que fatores como gênero e condição material pesavam mais. Outra descoberta foi que as mulheres estão ficando mais infelizes que os homens. O aumento no divórcio e separação está tendo um impacto negativo sobre a estrutura familiar e a psicologia de seus membros. A Business Week concluiu: ‘Isso sugere, no mínimo, que aqueles que pensam que apenas ganhos nos rendimentos garantem mais felicidade estão se iludindo. Significa que alguns aspectos aparentes da nova economia, como aumento no desemprego e maior desigualdade de renda, carregam custos psicológicos significativos.’” Abdulhay Y. Zalloum, Painting Islam as the New Enemy: Globalization & Capitalism in Crisis (“Pintando o Islã como o Novo Inimigo: Globalização & Capitalismo em Crise”, em tradução livre) (Technology One Group S.A. 2002), p. 357.
Adicione um comentário