Metodologia Histórica Moderna vs. Metodologia dos Hadiths (parte 1 de 5): Metodologia Histórica Ocidental

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Descrição: Uma comparação entre métodos modernos de registro da história e os usados nos hadiths. Parte 1: Metodologia Histórica Ocidental Moderna e criticismo externo.

  • Por Reem Azzam
  • Publicado em 29 Aug 2011
  • Última modificação em 24 Apr 2016
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Modern_Historical_Methodology_vs_Hadeeth_Methodology__(part_1_of_5)_PT-BR_001.jpgO estudo dos hadiths remonta a séculos e tem sido tema de muita discussão entre muçulmanos e não-muçulmanos.  Alguns estudiosos consideram as coletâneas de hadith como não autênticas e algo a ser descartado, enquanto outros alegam o oposto.  Onde exatamente reside a verdade?  Como ponto de partida, é útil examinar o criticismo de acordo com a metodologia dos hadiths comparado ao criticismo de acordo com a metodologia histórica ocidental moderna.  Portanto, o propósito desse trabalho deve ser primeiro explicar as diretrizes gerais para autenticação e verificação de fontes históricas, depois explicar as diretrizes gerais usadas na autenticação e verificação de hadiths e, finalmente, comparar os dois processos.

Metodologia Histórica Ocidental Moderna

Quando eventos ocorrem podem ser conhecidos por contemporâneos que passaram adiante seu conhecimento e compreensão (Lucey 20) [1] .  Na vida cotidiana as pessoas aceitam que o conhecimento de eventos pode ser passado adiante por testemunhas desses eventos e que podem ser transmitidos de forma exata.  De fato, em um tribunal, através do depoimento de testemunhas de um evento particular os fatos são estabelecidos além de dúvida razoável (Lucey 22). De acordo com um historiador, “o testemunho confiável é uma fonte incontestável e indiscutível de eventos históricos” (Lucey 20). É a partir do testemunho confiável de contemporâneos de eventos que se deriva o conhecimento histórico (Lucey 18). Consequentemente, o objetivo da metodologia histórica é determinar se os vários testemunhos que chegam até nós hoje podem ser aceitos com evidência sólida.

Uma vez que um historiador coletou fontes que direta ou indiretamente forneçam informação sobre um evento particular (ou seja, um livro, manuscrito, pedaço de cerâmica, uma foto, um clipe, uma tradição oral), ele deve avaliá-las usando as técnicas de criticismo.  Essas fontes históricas ou “testemunhas” fornecem informação ou depoimento.  O papel do criticismo externo é estabelecer a autenticidade de uma fonte (o fato de depoimento) e sua integridade (a isenção de corrupção durante a transmissão).  Em comparação, o criticismo interno se ocupa em estabelecer o significado verdadeiro de um depoimento e a credibilidade de uma testemunha (Lucey 23). Em última instância, os princípios básicos do criticismo de fonte levam ao estabelecimento de fatos ou ao descrédito de fatos previamente estabelecidos (Marwick 196) [2] .

Criticismo Externo

O criticismo externo envolve investigar a origem de uma fonte particular - em oposição ao seu conteúdo, que é objeto de criticismo interno.  O historiador precisa procurar toda a informação possível em relação a origem da fonte e possivelmente restaurar a fonte à sua forma original também (Lucey 23). Isso é necessário para estabelecer a autenticidade da fonte.  Determinar a autenticidade de uma fonte significa estabelecer que o depoimento é de fato da pessoa a quem é atribuído ou que pertence ao período ao qual se alega pertencer e que é o que alega ser.  Procurar toda informação possível em relação à origem da fonte também é necessário para estabelecer a integridade da fonte, ou seja, que não foi corrompida durante sua transmissão até o momento presente e, caso tenha sido, que as alterações sejam identificadas.

Existem muitos tipos diferentes de perguntas que precisam ser respondidas para estabelecer o fato do depoimento, sendo o criticismo externo o primeiro passo.  É preciso determinar a origem da fonte e também onde foi originalmente encontrada (Marwick 222). Por exemplo, se um vaso egípcio é encontrado em escavações no Iêmen, onde ele foi encontrado seria de grande significância no que isso poderia indicar sobre o comércio entre os dois países.  Além disso, é preciso saber a data da fonte e determinar a proximidade de sua data com as datas pertencentes ao tópico sob investigação (Marwick 222). Outro assunto importante a determinar é como se relaciona com outras datas importantes.  Toda essa informação pertencente à origem da fonte será útil na determinação de sua credibilidade por meio do criticismo interno mais adiante.

Vale notar aqui que os historiadores distinguem entre autoria e autenticidade, mesmo que “identificar o autor seja o primeiro passo no estabelecimento de autenticidade” (Lucey 47). É possível que um documento anônimo seja autêntico, como os escritos primitivos que apareceram sob pseudônimos, desde que sejam conhecidos a que ano ou período e local pertencem o documento.  Entretanto, em certos casos o autor de um documento deve ser estabelecido para determinar a autenticidade de uma fonte.

O segundo e último passo no criticismo externo consiste de um exame da integridade da fonte.  Em outras palavras, deve ser apurado que a fonte ou depoimento chegou ao historiador sem corrupções.  Somente então o fato do depoimento é estabelecido de forma absoluta (Lucey 62). Se foram feitas mudanças no depoimento, ele deve ser capaz de distinguir o original das mudanças para que a fonte permaneça autêntica.  Embora adições e deleções não intencionais ou intencionais possam ter sido feitas à fonte original ou suas cópias, deve ser estabelecido que a fonte ou depoimento é no mínimo substancialmente integral.  Vale notar aqui que a corrupção resultante de cópia descuidada é uma ocorrência muito comum e pode levar a grande mal-entendido (Lucey 62). Com isso estabelecido, o historiador pode agora prosseguir para avaliar o depoimento.



Footnotes:

[1] Lucey, William. History: Methods and Interpretation (História: Métodos e Interpretação, em tradução livre). Chicago: Loyola UP, 1958.

[2] Marwick, Arthur. The Nature of History (A Natureza da História, em tradução livre). 3a. ed. Londres: Macmillan, 1989.

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Metodologia Histórica Moderna vs. Metodologia dos Hadiths (parte 2 de 5): Criticismo Interno

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Descrição: Uma comparação entre métodos modernos de registro da história e os usados nos hadiths.  Parte 2: Metodologia Histórica Ocidental Moderna e criticismo interno.

  • Por Reem Azzam
  • Publicado em 05 Sep 2011
  • Última modificação em 05 Sep 2011
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Criticismo Interno

Modern_Historical_Methodology_vs._Hadeeth_Methodology_(part_2_of_5)_PT-BR_001.jpgO criticismo interno se ocupa do conteúdo da fonte e naturalmente segue seu criticismo externo (Lucey 24). O objetivo nessa etapa é estabelecer a credibilidade do depoimento.  Para começar, o historiador deve se assegurar de entender o que a testemunha quis dizer com seu depoimento.  Somente então o historiador será capaz de determinar de forma adequada a credibilidade da testemunha em questão.  Estabelecer a credibilidade da testemunha significa estabelecer tanto sua competência (de que fala com conhecimento) e veracidade (se é confiável).  Na prática alguns depoimentos são rejeitados com base nos testes mencionados anteriormente, embora uma quantidade considerável de depoimentos seja estabelecida como confiáveis (Lucey 24).

Considerando que a língua está em mudança constante, determinar o significado verdadeiro de um depoimento não é uma tarefa fácil.  Muitas vezes as palavras não são usadas literalmente e novos significados são atribuídos a elas.  O historiador precisa identificar o significado que o autor ou testemunha atribui às palavras em particular para compreender de forma adequada o depoimento.  Também precisa estar familiarizado com os idiomas usados na época da origem da fonte.  Obviamente o historiador deve ser fluente na língua usada na fonte e treinado na filologia para empreender essa tarefa.

Para entender adequadamente uma fonte ou depoimento, é necessário saber que tipo de pessoa ou pessoas criaram a fonte; em outras palavras, quais eram suas atitudes e interesses (Marwick 223). Deve-se inquirir sobre sua educação, posição na vida, visões políticas e caráter (Lucey 73). Também é importante sua idade e temperamento (Lucey 78). Esse conhecimento será útil na determinação da credibilidade da testemunha.  Além disso, é importante saber como e por que a fonte particular surgiu e para quem era pretendida.  Depois de o historiador ter entendido corretamente o conteúdo do depoimento e o que a testemunha pretendeu dizer, ele pode seguir adiante examinando a credibilidade da testemunha.

O próximo passo é estabelecer se a pessoa ou pessoas por trás da fonte estavam de fato em posição de saber em primeira mão sobre o assunto sob investigação e se eram honestas.  Diz-se que a atitude adequada nessa conjuntura é não ser nem crédulo nem cético para fazer justiça à fonte em questão (Lucey 73). Um depoimento de testemunha não deve ser desconsiderado a menos que tenha sido completamente desacreditado.  É aceitável que uma testemunha cometa alguns equívocos desde que seu depoimento permaneça substancialmente verdadeiro.  Nas palavras de um historiador:

“A credibilidade de depoimento, então, deriva da competência e veracidade da testemunha e essas duas qualificações não devem ser dadas como certas. Sua habilidade para observar deve ser estabelecida, a oportunidade para observar verificada, sua honestidade assegurada, seu depoimento comparado com o de outra testemunha para descontar os erros que qualquer outra testemunha possa cometer” (Lucey 73-4).

Entre os itens que ajudam a estabelecer a credibilidade de uma fonte também está o conhecimento do tipo de fonte, incluindo sua natureza e propósito (Lucey 77). Cada tipo de fonte terá seu próprio critério de avaliação. Por exemplo, uma plataforma política não deve ser analisada da mesma forma que um editorial (Lucey 77). Além disso, a veracidade, caráter moral e competência de certas testemunhas já estão bem estabelecidas, particularmente daquelas na vida pública (Lucey 78). Portanto, os depoimentos dessas testemunhas não precisam ser objetados a menos que se prove o contrário.

Existem algumas questões com as quais um historiador deve ser cuidadoso nessa etapa.  Deve ser cuidadoso em não supor que a oportunidade da testemunha para observar significa ter competência.  Não somente é necessário estabelecer que a oportunidade era real, mas também deve ser estabelecido que uma testemunha competente tirou vantagem disso.  Outro assunto a destacar são as fontes comuns de erro.  No topo da lista estão memória falha e preconceitos, embora fraquezas como sentido falho de observação também apresentem um desafio sério (Lucey 75). Tal fraqueza da parte da testemunha ou autor de uma fonte pode facilmente levar a mal-entendidos por parte do historiador.

Embora historiadores relutem em aceitar o depoimento de uma única testemunha, é justificável que o façam se a testemunha for qualificada.  Naturalmente é preferível mais de uma testemunha e quanto mais, melhor.  Claro que a testemunha deve ser competente e honesta e deve ter estado próximo do evento relatado, ou pelo menos ter adquirido seu conhecimento daqueles que estavam (Lucey 79). Quanto mais qualificadas forem as testemunhas, mais fácil será a tarefa do historiador.  Ele pode então comparar depoimentos e eliminar erros, assim como usar suas fontes confiáveis na determinação da confiabilidade de quaisquer novas testemunhas.

Ao comparar uma fonte com outras para determinar credibilidade, existem três possibilidades: podem concordar com a fonte em questão, podem discordar ou podem ser omissas.  O acordo entre as fontes não é suficiente para estabelecer a credibilidade de uma fonte em questão.  É preciso determinar se as fontes são independentes ou pode-se suspeitar de uma conspiração ou dependência sobre uma fonte original (Lucey 80). Especialmente se um evento foi público, devem haver muitos relatos independentes do mesmo.  Entretanto, se as fontes discordam ou se contradizem, é preciso examinar o nível da diferença e a natureza das fontes.  Diferenças em pontos e detalhes menores não são suficientes para desacreditar a fonte em questão e, de fato, são comuns e esperados (Lucey 81). Deve-se ser cuidadoso para não confundir contradições triviais ou aparentes com contradições reais e perceber que o apego às regras de criticismo de forma cuidadosa e paciente provavelmente resolverá uma aparente contradição (Lucey 83). Entretanto, se existir uma contradição real, nenhuma das fontes pode ser usada até que uma delas ganhe credibilidade com base em outras razões.  Deve-se lidar com muito cuidado com os depoimentos de partes interessadas e extremistas se o assunto for um problema controverso.

Um terceiro cenário possível é as fontes serem omissas sobre o depoimento em questão.  A atitude em relação a esse depoimento é negativa, embora não seja imediatamente rejeitado.  Para rejeitar o depoimento deve ser estabelecido que a testemunha omissa foi capaz de saber sobre o evento e estava em uma posição exigida para relatá-la. Entretanto, esses são assuntos difíceis de serem estabelecidos.

Após o historiador ter examinado cuidadosamente suas fontes e aplicado de forma rigorosa as regras de criticismo externo e interno, ele está pronto para escrever.  A ordenação e síntese de todos os materiais na reconstrução correta de um evento é uma tarefa desafiadora que envolve interpretação da parte do historiador.  A forma na qual ele interpreta suas fontes confiáveis molda sua reconstrução de um evento particular.

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Metodologia Histórica Moderna vs. Metodologia dos Hadiths (parte 3 de 5): Metodologia dos Hadiths

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Descrição: Uma comparação entre métodos modernos de registro da história e os usados nos hadiths.  Parte 3: A metodologia dos hadiths.

  • Por Reem Azzam
  • Publicado em 12 Sep 2011
  • Última modificação em 12 Sep 2011
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Modern_Historical_Methodology_vs._Hadeeth_Methodology_(part_3_of_5)_PT-BR_001.jpgUm hadith profético é uma narração de ou sobre o profeta Muhammad (que a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam sobre ele) e é através dos hadiths que os muçulmanos sabem sobre o modo de vida do profeta, a Sunnah.  Esse conhecimento é um pré-requisito necessário para cumprimento das exigências religiosas mais básicas do muçulmano e o profeta naturalmente fez dele um ponto para propagar esse conhecimento sobre si mesmo durante sua vida.

O profeta procurou ensinar seus Companheiros através de diferentes formas como repetição, questionamento, ditado e demonstração prática.  Após ensiná-los ele ouvia o que tinham aprendido.  Junto com seus Companheiros, delegações do exterior foram educadas tanto no Alcorão quanto na Sunnah.  O profeta os questionava também para ver o que tinham aprendido (Azami 9) [1] .  Além disso, as cartas enviadas pelo profeta, algumas das quais eram muito longas e lidavam com uma ampla gama de assuntos legais, também constituíam meios de ensinar sua Sunnah.  Aparentemente deve ter havido uma grande produção escrita no geral, uma vez que é dito que ele teve pelo menos quarenta e cinco escribas em um momento ou outro (Azami 10). Ele também ditava para diferentes companheiros como Ali b. Abu Talib e é sabido que enviou cópias de seus sermões para certas pessoas.  Por fim, era o exemplo prático que ele transmitia aos seus seguidores com instruções claras para fazer como ele fazia (ou seja, “ore como me viram orar” [Bukhari, Vol. 1, Livro 11, No. 604] e “aprendam de mim os rituais da peregrinação” [Sahih Muslim, Livro sobre o Hajj, No. 310]).  Era conhecido por aconselhar o questionador a ficar com ele e aprender observando-o (Azami 10).

Outras medidas foram tomadas pelo profeta para propagar o conhecimento de sua Sunnah, como o estabelecimento do que pode ser considerado como escolas.  É sabido que foram estabelecidas em Medina logo após sua chegada e que ele enviava professores para vários locais fora da cidade.  Enfatizava a seus Companheiros para passarem adiante o conhecimento sobre ele e entre seus ditos está “Passe adiante o conhecimento obtido de mim, mesmo que seja somente um versículo” (Azami 10). Em seu famoso sermão de despedida relata-se que ele disse: “Aqueles que estão presentes (aqui) devem transmitir a mensagens para os ausentes.” [Sahih Muslim, Livro sobre o Hajj, No. 310]). Consequentemente, era uma prática comum entre seus Companheiros informar aos ausentes sobre os ditos e ações do profeta.  Adicionalmente, o profeta especificamente instruía delegações a ensinarem seu povo o que tinham aprendido no seu retorno.  Encorajava toda essa atividade informando sobre as grandes recompensas pelo ensino e aprendizado e sobre a possível punição por se recusar a fazê-lo (Azami 12).

Da parte dos Companheiros do profeta, deve-se lembrar de como as pessoas tomavam cuidado em observar e imitar as ações e ditos daquele que amavam e admiravam.  É bem conhecida a extensão do amor que os Companheiros do profeta tinham por ele e que muitos morreriam sem hesitar para protegê-lo.  Devido a isso e às suas excelentes memórias e também aos vários métodos que o próprio profeta empregou para ensinar sua Sunnah, seria seguro supor que eles realmente conheciam sua Sunnah.  De fato, relatos mostram que não somente tentaram aprende-la como tentaram preservá-la através de vários meios como memorização e registro escrito.  Existem vários exemplos dos Companheiros do profeta memorizando juntos e cultivando o que tinham acabado de aprender do profeta (Azami 13). Muitos deles são conhecidos por terem registrado os hadiths e, seguindo instruções do profeta, o imitavam com base no que tinham aprendido.  Após a morte do profeta existem vários relatos mostrando que continuaram em seus esforços para memorizar, praticar e preservar o que tinham aprendido dele.  Além disso, existem relatos mostrando Companheiros como Ali b. Abu Talib, Ibn Masud e Abu Sa’id al-Khudri aconselhando as pessoas que vieram depois deles (os Sucessores) a memorizarem os hadiths, o que faziam individualmente ou em grupos (Azami 15).

Após a morte do profeta o Islã se propagou além da Arábia para terras distantes.  Como os Companheiros do profeta foram os pioneiros dessa expansão, o conhecimento que tinham dos hadiths foi levado com eles e nem todo ele permaneceu em Medina.  Portanto, é possível que certa Sunnah seja conhecida de um grupo particular de Companheiros que tinha partido para alguma terra distante.  Como mencionado anteriormente, os Companheiros cuidaram para que os que vieram depois deles, os Sucessores, continuassem o aprendizado e preservação dos hadiths para que o conhecimento não fosse perdido.   Entretanto, a partir do momento que o conhecimento da Sunnah não estava mais concentrado em um lugar, mas havia se espalhado para diferentes partes do mundo muçulmano, a probabilidade de cometer erros aumentou e, consequentemente, técnicas de criticismo tiveram que ser desenvolvidas, especialmente após a primeira fitnah (Azami 49). Adicionalmente, com a propagação da Sunnah, novas técnicas tiveram que ser desenvolvidas para o aprendizado dos hadiths.

Embora todas as técnicas fossem importantes na preservação dos hadiths, a prática de um professor ler para seus alunos era uma técnica particularmente significativa que foi desenvolvida muito cedo.  Isso incluía a leitura pelo professor do livro do aluno, que era uma cópia completa ou parcial do livro do professor (Azami 17). Alunos e sábios testavam o conhecimento de seu professor pela inserção de hadiths ao longo do livro antes de dá-lo ao professor para leitura.  Os professores que não reconheciam as adições eram “denunciados e declarados não confiáveis” (Azami 17). Adicionalmente, diz-se que a partir do começo do segundo século, a técnica de leitura pelos alunos para seus professores se tornou a prática mais comum (Azami 19). Isso era feito na presença de outros alunos que então comparavam o que tinham em seus livros ou ouviam cuidadosamente.  Ao copiar é dito que geralmente faziam um círculo após cada hadith e que uma vez que o hadith tivesse sido lido para o professor uma marca era feita no círculo ou em outro lugar como indicação.  E cada vez adicional que um hadith era lido para o professor outra marca era feita como indicação e às vezes os sábios liam o mesmo livro muitas vezes.  A razão provavelmente era contrabalançar os desafios apresentados pelo manuscrito árabe e o relator tinha que ouvir um hadith particular da pessoa a partir da qual estava transmitindo e transmitir exatamente o que ouviu (assim a gradação dos relatores se tornou necessário para saber que fez isso melhor) (Burton 110-111) [2] .  Além disso, desde o princípio, a necessidade de revisar cópias se tornou evidente e é relatado que os professores ajudavam seus alunos nessa tarefa para eliminar erros de cópia.  É importante saber que quem não seguia os métodos adequados no ensino ou compilação de seu próprio livro podia ser acusado de roubar hadiths, mesmo que o material fosse autêntico.  Então, era crítico que o hadith fosse obtido de forma adequada.  Existem várias outras técnicas, mas para o propósito desse trabalho é importante saber que os sábios dos hadiths usavam termos especiais na transmissão de um hadith, dependendo da técnica empregada em ensiná-lo.  Também vale destacar que esses termos especiais como “haddathana,” “akhbarana” e “an” são frequentemente confundidos como significando que a transmissão foi estritamente oral, embora tenha sido demonstrado que não era esse o caso.



Footnotes:

[1] Azami, Muhammad. Studies in hadeeth Methodology and Literature (Estudos em Metodologia e Literatura de hadiths, em tradução livre). Indiana: American Trust, 1977.

[2] Burton, John. An Introduction to the hadeeth (Uma Introdução aos hadiths, em tradução livre). Edinburgo: Edinburgh UP, 1994.

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Metodologia Histórica Moderna vs. Metodologia dos Hadiths (parte 4 de 5): A Classificação de Hadiths I

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Descrição: As várias categorias de hadith baseadas na força da cadeia de narradores.

  • Por Reem Azzam
  • Publicado em 19 Sep 2011
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Modern_Historical_Methodology_vs._Hadeeth_Methodology_(part_4_of_5)_PT-BR_001.jpgAs pessoas envolvidas na transmissão de um hadith constituem seu isnad.  O isnad nos informa sobre a fonte do hadith e essa informação posteriormente se torna uma parte essencial do hadith (Azami 31). Relata-se que Abdullah b. Al-Mubarak, um dos professors de al-Bukhari, disse: “O isnad é parte da religião, porque se não fosse pelo isnad, qualquer um teria dito o que quisesse” (Hasan 11) [1] .  Existe alguma indicação de que o isnad foi usado antes da primeira tribulação, embora só tenha sido plenamente desenvolvido no fim do primeiro século da Hégira (Azami 33). (Entretanto, John Burton em seu An Introduction to the Hadith (Uma Introdução aos Hadiths, em tradução livre) diz que o isnad ainda não existia no primeiro século). A outra parte do hadith que contém o dito ou ação específicos do profeta, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, é seu matn ou texto.

Na classificação de hadiths existem várias categorias amplas, das quais somente sete serão brevemente discutidas aqui.  As sete categorias são classificações de acordo com: 1) a referência a uma autoridade particular; 2) os elos no isnad; 3) o número de relatores envolvidos em cada etapa do isnad; 4) a técnica usada no relato do hadith; 5) a natureza do isnad e matn; 6) um defeito oculto encontrado no isnad ou matn do hadith; e 7) a confiabilidade e memória dos relatores (Hasan 14-16).

A primeira categoria, a classificação de acordo com a referência a uma autoridade particular, pertence a se ela vai até o profeta, um Companheiro ou um Sucessor.  Uma narração marfu ou “elevada” é a que vai até o profeta e é considerada como o melhor nível (Burton 112). Uma narração mawquf ou “interrompida” é a que vai até um Companheiro, enquanto que uma narração maqtu ou “dividida” vai até um Sucessor.  Essa classificação é significativa porque diferencia entre os ditos e ações do profeta e as de um Companheiro ou Sucessor.

A segunda categoria, classificação de acordo com os elos no isnad, faz várias distinções.  O hadith musnad ou “apoiado” é o melhor do grupo já que não contém interrupção na cadeia de autoridades que relatam o hadith até o profeta (Burton 111). O hadith mursal ou “desvinculado” é o que contém uma lacuna de uma geração (de acordo tanto com Azami quanto com Hasan, é um hadith relatado por um Sucessor que pula no isnad o Companheiro de quem ele aprendeu).  O hadith munqati ou “quebrado” é aquele em que falta um elo mais próximo ao tradicionalista que o relata (ou seja, antes do Sucessor).  Isso se aplica mesmo que não pareça existir interrupção na cadeia, mas seja sabido que um dos relatores não poderia ter ouvido o hadith da autoridade imediata dada no isnad, mesmo que sejam contemporâneos.  O termo munqati também é usado por alguns sábios para se referir a um hadith no qual um relator não informa sua autoridade e ao invés disso diz “um homem narrou para mim” (Hasan 22). Um hadith é mudal ou “confuso” se mais de um relator consecutivo estiver faltando no isnad.  Se o isnad é completamente ignorado e o relator cita diretamente do profeta, o hadith é considerado muallaq ou “suspenso” (Hasan 22).

Dentro da terceira categoria os hadiths são classificados de acordo com o número de relatores em cada etapa do isnad, ou seja, em cada geração de relatores.  As duas principais classificações são mutawatir (“consecutivo”) e ahad (“único”), embora o ahad seja ainda dividido em muitas subdivisões, entre elas gharib (“escasso” ou “estranho”), ‘aziz (“raro” ou “forte”) e mash’hur (“famoso”). Um hadith mutawatir é aquele que é relatado por um grande número de pessoas fazendo com que um acordo sobre uma mentira não seja razoavelmente possível e no qual a possibilidade de coincidência é desprezível.  O número mínimo exigido de relatores difere entre os sábios de hadith e varia de quatro a várias centenas (Azami 43). O hadith pode ser mutawatir no significado ou palavras, sendo o primeiro caso o tipo mais comum.  Al-Ghazali estipulou que o hadith deve ser mutawatir nos estágios inicial, intermediário e final de seu isnad (Hasan 30). Um hadith ahad é aquele cujo número de relatores não chega perto do exigido de um hadith mutawatir.  Um hadith é classificado como gharib se em qualquer estágio (ou todos os estágios) no isnad existe somente uma pessoa relatando-o. Um hadith é classificado como aziz se em cada estágio no isnad existem pelo menos duas pessoas relatando-o. Se pelo menos três pessoas relatarem um hadith em cada estágio de seu isnad, então ele é classificado como mash’hur, embora o termo também seja aplicado aos hadiths que iniciam como gharib ou aziz, mas terminam com um grande número de relatores (Hasan 32).

Na quarta categoria os hadiths são classificados de acordo com a forma na qual são relatados.  Como mencionado anteriormente, existe um termo especial correspondente para denotar um modo particular de aprendizado ou transmissão quando um aluno ou sábio aprendem um hadith.  Os termos “haddathana,” “akhbarana” e “sami’tu” indicam que o relator pessoalmente ouviu o hadith de seu próprio sheikh.  “An” e “qaala” são mais vagos e podem significar ouvir do sheikh em pessoa ou através de alguém.  Na verdade, “an” é muito inferior e pode significar aprender o hadith através de qualquer um dos vários modos de transmissão (Azami 22). Um hadith pode ser rotulado como fraco devido à incerteza causada pelo uso dos dois últimos termos, que se traduzem respectivamente como “sobre a autoridade de” e “ele disse” (Hasan 33). Quem pratica “tadlis” ou ocultação, relata de seu sheikh o que não ouviu dele ou relata de um contemporâneo com o qual nunca se encontrou.  Isso viola o princípio de que um hadith deve ser ouvido em primeira mão para ser transmitido (Burton 112). Outro tipo de tadlis, que é considerado o pior entre eles, é quando um sábio confiável relata de uma autoridade fraca que por sua vez está relatando de um sábio confiável.  A pessoa que está relatando esse isnad pode mostrar que ele ouviu de seu sheikh, mas então omite a autoridade fraca e simplesmente usa o termo “an” para vincular seu sheikh com o próximo confiável no isnad (Hasan 34).

Se ao longo do isnad todos os relatores (incluindo o profeta) usam o mesmo modo de transmissão, repetem uma afirmação ou observação adicional ou agem de uma forma particular enquanto narram o hadith, então ele é chamado musalsal (“uniformemente vinculado”).  Esse tipo de conhecimento é útil para descontar a possibilidade de tadlis em um hadith particular (Hasan 35).



Footnotes:

[1] Hasan, Suhaib. An Introduction to the Science of hadeeth (Uma Introdução à Ciência dos Hadiths, em tradução livre). Riyadh: Darussalam, 1996.

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Metodologia Histórica Moderna vs. Metodologia dos Hadiths (parte 5 de 5): A Classificação de Hadiths II

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Descrição: As várias categorias de hadith baseadas na força da cadeia de narradores. Parte 2.

  • Por Reem Azzam
  • Publicado em 19 Sep 2011
  • Última modificação em 19 Sep 2011
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De acordo com a quinta categoria, um hadith só pode ser classificado com respeito à natureza de seu texto e isnad.  De acordo com Al-Shafi, se um hadith relatado por uma pessoa confiável vai contra a narração de alguém mais confiável que ele, então o hadith é shadh ou “irregular”.  De acordo com Ibn Hajar, se uma narração por um relator fraco contradiz um hadith autêntico, então aquele hadith é classificado como munkar (“denunciado”), embora alguns sábios o classifiquem qualquer hadith de um relator fraco como munkar.  Um hadith também pode ser classificado como munkar se seu texto contradiz ditos gerais do profeta.  Se um hadith relatado por uma pessoa confiável contém alguma informação adicional não narrada por outras fontes autênticas, a adição é aceita desde que não as contradiga e a adição é conhecida como ziyadatu thiqah (“uma adição por alguém confiável”).  Entretanto, se um relator acrescenta algo a um hadith sendo narrado, então o hadith é classificado como mudraj ou “interpolado”.  Se isso ocorre em um hadith geralmente é em seu texto e, com frequência, com o propósito de explicar uma palavra difícil.  Em uns poucos exemplos isso ocorre no isnad - um relator toma uma parte de um isnad e a acrescenta a outro isnad.  Um relator pego no hábito de idraj ou interpolação intencional geralmente é considerado um mentiroso, embora sábios sejam mais lenientes com aqueles relatores que podem ter feito isso para explicar uma palavra difícil (Hasan 37-39).

Na sexta categoria hadiths que contêm defeitos ocultos em seu isnad ou texto são classificados como ma’lul ou mu’allal (“defeituosos”).  Isso pode acontecer devido a classificar um hadith como musnad quando ele é de fato mursal ou atribuir um hadith a um Companheiro particular quando na verdade vem de outro.  Para detectar esses defeitos todos os isnads de um hadith têm que ser coletados e examinados.  Por exemplo:

“Alguns sábios escreveram trabalhos nos quais os Sucessores ouviram hadiths de determinados Companheiros. Dessa informação é sabido que Al-Hasan Al-Basri não encontrou Ali, embora exista uma ligeira chance de que possa tê-lo visto durante sua infância em Medina. Isso é significativo, uma vez que se diz que muitas tradições sufis voltam para Al-Hasan Al-Basri, que se diz ter relatado diretamente de Ali.” (Hasan 42-43)

Também pode haver incerteza sobre o isnad ou texto, em cujo caso o hadith é classificado como mudtarib (“duvidoso”) Isso ocorre se os relatores discordarem sobre alguns pontos no isnad ou texto, de forma que não prevaleça nenhuma opinião.  Um hadith pode ser classificado como maqlub (“alterado” ou “invertido”) se no isnad um nome foi invertido (ou seja, Ka’b b. Murra versus Murra b. Ka’b) ou se a ordem de uma frase no texto estiver invertida (Azami 66). Isso também se aplica aos hadiths cujo texto recebeu um isnad diferente ou vice-versa, ou aqueles nos quais um nome de relator foi substituído por outro (Hasan 41-42).

A sétima e última categoria a ser discutida aqui é a classificação de acordo com a qualidade dos relatores, da qual o veredicto final sobre um hadith depende de forma crítica.  Hadiths relatados por aqueles conhecidos como sendo adil, hafiz, thabit e thiqa são os de classificação mais alta e são classificados como sahih ou “sólido”.  Para alguém ser considerado adil é necessário ter sido um muçulmano muito devoto, honesto e confiável em todos os seus procedimentos.  Através de comparação cuidadosa, o acordo verbal encontrado no texto de um hadith ente vários transmissores indicou quem era o mais preciso (thabit), o mais confiável (thiqa) e quem tinha a melhor memória (hafiz).  Se qualquer sábio se encaixar em menos que esse ideal em uma ou mais categorias, mas não é criticado, então os hadiths relatados por ele são considerados menos que sólido ou hasan (“justo”).  Se um relator for conhecido por ter uma memória fraca ou cometer erros devido à negligência, então seus hadiths são considerados daif (“fraco”) (Burton 110-111).

Claro, existem outros fatores que atuam no veredicto final sobre um hadith e, nas palavras de Ibn Al-Salah, “um hadith sahih é o que tem um isnad contínuo, composto de relatores de memória confiável de autoridades semelhantes e que é livre de quaisquer irregularidades (ou seja, no texto) ou defeitos (ou seja, no isnad).” De acordo com Al-Tirmidhi um hadith hasan é “um hadith que não é shadhdh, nem contém um relator disparatado em seu isnad e que é relatado através de mais de uma rota de narração” (Hasan 44-46). Um hadith que não alcança os requisitos para um hadith hasan é classificado como daif e geralmente devido à descontinuidade no isnad.  Também pode ser classificado como daif se um dos relatores não tiver uma boa reputação por qualquer razão, seja por cometer muitos erros ou ser desonesto.  Se os defeitos forem muitos e graves, o hadith está mais próximo de ser classificado como mawdu ou fabricado.  De acordo com Al-Dhahabi o hadith mawdu é aquele cujo texto contraria normas estabelecidas dos ditos do profeta e cujo isnad contém um mentiroso.  Um hadith também pode ser estabelecido como mawdu devido à “evidência externa relacionada à discrepância encontrada nas datas ou períodos de um incidente particular” (Hasan 49).

Em conclusão, as classificações mencionadas constituem somente uma fração do número total de classificações existentes.  Os estudos em hadith são muito complexos e parece que os sábios pensaram em todos os ângulos imagináveis para analisar um hadith.  Tudo isso com o propósito de distinguir entre tipos diferentes de narrações, especialmente para distinguir o autêntico do não autêntico.

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